O Estado brasileiro tem um relacionamento desigual com a sociedade: se é rápido e insaciável na cobrança de impostos, torna-se moroso, sovina, na hora de pagar dívidas reconhecidas pela Justiça em vários tipos de ações movidas por quem se considera atingido por alguma decisão oficial (desapropriações, aposentados que reclamam reajuste de benefício, etc.).
São os chamados precatórios.
Essas dívidas líquidas e certas - só na sua legalidade e valor - porém quase nunca resgatadas, apesar do suporte jurídico, somam hoje, estima-se, R$ 100 bilhões -, e não param de crescer.
O assunto, de interesse de milhares de pessoas e também de governadores e prefeitos, entrou na agenda do Congresso, onde passou a tramitar uma proposta de emenda constitucional, a PEC no12, já aprovada no Senado, pela qual prefeituras e governos estaduais passarão a reservar uma parcela pequena de suas receitas líquidas (de 0,6% a 2%) para resgatar precatórios.
O sistema de correção dessas dívidas - inflação mais 12% de juros ao ano - foi suavizado pelos senadores, passando a ser igual à remuneração da caderneta de poupança.
Ora, ao criar uma programação de pagamentos a perder de vista e reduzir o índice de correção dos débitos, a proposta de emenda passou a ser considerada, com razão, um simples disfarce para um monumental calote.
Há intensa pressão sobre a Câmara dos Deputados, onde agora tramita a PEC. E à frente do movimento estão a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais (Ajufe). Para o presidente da OAB, Cezar Britto, credores do Estado poderão levar até 70 anos para receber o que têm direito. "É a institucionalização do calote." Outra perversidade do projeto é a criação de leilões de precatórios pelo menor preço. Ou seja, recebe o dinheiro o credor que der o maior desconto ao Estado. Fechase o circuito: pressionado por um extenso calendário de resgate de precatórios, o credor é induzido a entrar nestes leilões draconianos, para pelo menos usufruir uma parte do seu dinheiro em vida. O Congresso, com esta PEC, mostra que não é apenas em mordomias e gastos exorbitantes que vai na contramão do país real.