Com o término do mandato do ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal (STF) será comandado no próximo biênio por Cezar Peluso ? o primeiro dos sete ministros que o presidente Lula indicou para a mais alta Corte do País, desde sua ascensão ao poder, em 2003. Além de chefiar o STF, Peluso presidirá o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão encarregado de promover o controle externo do Poder Judiciário.
Com isso, pela primeira vez, em muitos anos, a Justiça brasileira será comandada por um magistrado de carreira, que ingressou na instituição por meio de concurso público e passou por todas as instâncias judiciais. Seus antecessores vieram do Ministério Público; de instâncias intermediárias do Judiciário (tendo chegado ao cargo pelo quinto constitucional); e da vida parlamentar, depois de terem exercido mandato no Senado e na Câmara.
Por isso, a troca de comando no Supremo não deve ser vista como simples efeméride. Por causa das diferenças de formação, estilo e temperamento entre o presidente que sai e o que assume, ela pode acarretar mudanças significativas no funcionamento das instituições judiciais do País. Desde o primeiro dia em que ocupou a presidência do STF, há dois anos, o ministro Gilmar Mendes se destacou pela permanente presença na mídia, concedendo entrevistas diárias sobre os mais variados temas, envolvendo-se em acirradas polêmicas com juízes criminais federais, procuradores da República, ministros de Estado e até com o presidente da República.
Apesar das fortes críticas que sofreu dos diferentes escalões da magistratura, no sentido de que estaria exorbitando de suas prerrogativas funcionais, o saldo da gestão de Gilmar Mendes é positivo, figurando na sua coluna de créditos a expansão da área de comunicação do Supremo, e também a ampliação da máquina burocrática e do campo de atuação do CNJ, o que lhe permitiu viajar por todo o País, convertendo-se num protagonista da vida política. Muitas de suas decisões administrativas e de seus votos despertaram comentários de que ele usava os cargos de presidente do STF e do CNJ para apresentar sua candidatura a um cargo majoritário. No passado, Mendes assessorou ministros vinculados ao antigo PFL e, em seguida, aproximou-se do PSDB, tendo chefiado a Advocacia-Geral da União (AGU) no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Mais reservado, Peluso destacou-se, nos quase sete anos em que está na mais alta Corte do País, como um magistrado preocupado basicamente com questões jurídicas e pouco afeito a problemas políticos. Com intervenções extensamente fundamentadas, em termos técnico-processuais, nos julgamentos em que atuou como relator ele apresentou pareceres polêmicos, do ponto de vista doutrinário, como no caso do processo de extradição do ex-ativista italiano Cesare Battisti, cujo recurso denegou. Considerado um conservador, em matéria de doutrinas jurídicas, ele também censurou de modo contundente o chamado "ativismo" das primeiras instâncias da magistratura a ponto de ter feito duras críticas a uma decisão tomada por sua filha, juíza criminal em São Paulo, numa sessão de júri realizada em 2005 em Laranjal Paulista.
Além de ser crítico da "judicialização da política" e do excesso de exposição pública dos magistrados das instâncias superiores, por meio da TV Justiça, Peluso é defensor de muitas reivindicações corporativas de sua categoria entre elas, a criação de novas varas e a ampliação do número de juízes, sob a justificativa de que o número de juízes por habitantes no Brasil seria um dos mais baixos do mundo. A pretensão sempre foi criticada nos meios políticos e na área econômica do Executivo, sob a alegação de que, com o advento da súmula vinculante, da cláusula impeditiva de recursos e do princípio da repercussão geral, graças à Emenda Constitucional nº 45, o descongestionamento dos tribunais é uma questão de tempo, o que tornaria desnecessária a ampliação dos quadros judiciais.
Numa das raras entrevistas que concedeu desde sua chegada ao STF, pois, segundo ele, juiz só fala nos autos, Peluso afirmou que o Supremo não deve fazer política nem "entrar em batalhas perdidas" para causar insegurança jurídica. A afirmação é sensata e sinaliza o tipo de gestão a que a mais alta Corte do País será submetida, nos próximos dois anos.