Em outras colunas sobre o tema, já explicamos que a Análise Econômica do Direito (AED) serve para prescrever normas mais eficientes ou explicar fenômenos jurídicos, bem como nortear as decisões judiciais, já que leis boas e mal aplicadas de nada servem, consoante lição de Alfredo Bullard González (Derecho y economia: El análisis econômico de las instituciones legales. 2. ed. Ed. Lima: Palestra Editores, 2006, p.51.): “Sem dúvida, as leis ruins são causa de muitos problemas e refletem muitas vezes na distância entre realidade e direito. Mas grande parte da responsabilidade recai também na aplicação da lei. É preferível uma lei ruim bem aplicada a uma excelente lei mal aplicada”.
O juiz tem um papel social e a busca da justiça social justifica violar um contrato ou os contratos devem sempre ser cumpridos, independentemente da repercussão social? Armando Castellar Pinheiro revela que em pesquisa feita pelo Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp), 73,1% de 741 magistrados responderam positivamente à primeira questão, isto é, deve-se violar um contrato em nome da justiça social.
O social pode comover mais as pessoas. Entretanto, precisa-se analisar os efeitos de uma decisão social antes de tomá-la, já que essa, benéfica em análise perfunctória para certa parte envolvida em uma lide, pode ser prejudicial para o todo ao seu redor.
Exemplo clássico de tal situação foi o crescimento da corrente denominada Direito Alternativo, no Rio Grande do Sul, onde diversos juízes passaram a tomar decisões contra a lei, notadamente no que tange a revisar contratos firmados com instituições financeiras, invocando a justiça social e proteção dos hipossuficientes (vide trecho de um julgado do TJRS, processo nº 70.011.602.091, 15ª Câmara Cível, de 8/6/05: “A função social do contrato tem por objetivo evitar a imposição de cláusulas onerosas e danosas aos contratantes economicamente mais fracos”), o que acabou gerando restrição ao crédito naquele mercado.
Nesse sentido, noticiou o site da Bovespa: “De acordo com o último levantamento da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), no Rio Grande do Sul, berço do Direito Alternativo, o jogo é pesado. Das ações na Justiça brasileira que contestam os juros aplicados pelos bancos em contratos de financiamento, 65% foram propostas no estado gaúcho, em 2004. Para o mercado financeiro, a justificativa para esse número é clara: os juízes e desembargadores gaúchos davam decisões favoráveis aos devedores, ao contrário do que ocorre na maioria do Judiciário de outros estados. Uma postura que remonta ao pensamento do Direito Alternativo, que designa o devedor como a parte mais fraca na relação (...). A situação causou reação por parte de instituições financeiras e bancos. Segundo entidades como Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi) e a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), nos estados onde o Judiciário se posicionou a favor dos devedores nas ações revisionais, houve limitação à concessão de crédito”.
Caso semelhante é relatado por Luciano Benetti Timm: “Para exemplificar o argumento, veja-se a pesquisa conduzida pelo Instituto Pensa-USP para o caso que se convencionou chamar de ‘soja verde’. Por meio dela, comprovou-se, empiricamente, que a revisão judicial de contratos agrários no estado de Goiás dificultou o financiamento da safra no ano seguinte para os agricultores daquela localidade, demonstrando que o benefício daqueles que ingressaram com ações na Justiça foi prejudicialmente contrabalançado pelo prejuízo do resto da coletividade que atuava naquele mercado de plantio de soja. A situação enfrentada lá foi que algumas culturas, como a soja, eram financiadas, em muitos casos, com capital privado, ou seja, negociadores (traders) faziam a compra antecipada da produção, entregando o pagamento imediatamente ao produtor, que, com isso, se capitalizava para o plantio. E, no ano seguinte, esse agricultor, que já havia computado seu lucro no preço de venda antecipada, entregava o produto. Houve uma inesperada valorização da soja e alguns produtores ingressaram com ações de revisão judicial dos contratos, alegando imprevisibilidade, enriquecimento injustificado etc., para não cumprir o pactuado, ou seja, a fim de evitar a entrega do produto de seu plantio. O Tribunal de Justiça de Goiás, com base na função social do contrato, revisou os contratos e liberou os produtores que ingressaram com as ações, ditos hipossuficientes, do cumprimento integral do contrato, em decisões assim ementadas: (...) A consequência (coletiva ou social) disso foi a de que todos os outros agricultores que não haviam ingressado com ações foram prejudicados, pois os traders da região não mais queriam seguir fazendo (ou pelo menos viam com desconfiança) a operação de compra antecipada do produto, diante do flagrante risco de prejuízo, já que, se o preço da soja, no ano seguinte ao contrato, fosse inferior ao pactuado, eles arcariam com a perda e, se o preço fosse mais elevado, os produtores ingressariam com ações para não cumprir o contrato”.
Logo, devido às ações individuais e minoritárias em relação aos contratos firmados nesse sentido, os efeitos gerais acabaram por atingir todos, colocando em prática a expressão popular de que os justos pagam pelos pecadores.
Nessa seara, permanece a questão: foi feita a justiça social? Beneficiaram-se alguns (poucos), mas prejudicaram-se (muito mais) outros, que não conseguiram acesso ao crédito por não ter como ofertar garantias ou como arcar com taxas mais altas de juros para compensar os que as reduziram por via judicial.
E, vale destacar, na maioria das vezes os prejudicados são exatamente aqueles que necessitam de crédito e são bons pagadores, como pequenos empresários ou cidadãos que ganham pouco e precisam de financiamento para comprar uma casa, carro ou eletrodoméstico, por exemplo.
É necessário, portanto, que não só os magistrados como os próprios cidadãos revejam seus conceitos de justiça social. Um indivíduo de baixo poder aquisitivo que se beneficia de uma revisão contratual de juros pode estar prejudicando seu vizinho que tem situação financeira pior.
O magistrado não deve ser um mero interpretador de leis, mas um agente econômico que, utilizando as decisões judiciais como seu instrumento de trabalho, será um maximizador de riquezas e bem-estar social.