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"O mutirão do Judiciário", por Welington Luzia Teixeira
(07/03/2010 - 14:34)

Há 15 anos, de maneira sistemática e pontual, o legislador brasileiro vem promovendo alterações no Código de Processo Civil sob o argumento de que, alterando-o, acabaria com a morosidade do Judiciário. Todas essas alterações legislativas, sempre ancoradas no fundamento da celeridade, retiraram ou inibiram, cada uma ao seu modo, o acesso ao Judiciário ou ao devido processo legal, garantias fundamentais do jurisdicionado e alicerce de uma sociedade democrática.
 
A) Em 1995, foi criado o juizado especial de pequenas causas com o objetivo de julgar rápido as causas menores, se é que elas existem. Ele julga rápido, é verdade, mas as decisões não são executadas (vejam a ausência da decantada efetividade), por falta de pessoal e máquinas; b) em 1997, foi instituída a antecipação da tutela Jurídica e criado o juízo arbitral. A primeira, apesar de virar o procedimento judicial de cabeça para baixo, colocando a execução à frente do processo de conhecimento, não agilizou o Judiciário, já que o tempo do processo, com a concessão ou não da tutela antecipada, será o mesmo. O segundo demonstrou, depois de vários anos, que não passa de uma justiça privada e cara e, por isso, para poucos; c) em 2005, foi dado ao relator do recurso de agravo de instrumento o poder de transformá-lo em agravo retido, sem que sobre essa decisão, solitária e muitas vezes carente de fundamentos, possa incidir qualquer outro tipo de recurso, o que leva à imediata execução da decisão tomada contra o cidadão que não pôde sobre ela se manifestar. No mesmo ano, surgiu o procedimento de cumprimento de sentença, execução com outro nome, que, por sua vez, só inovou na terminologia. A agilidade prometida ficou na promessa; d) em 2006, foi criada a súmula impeditiva de recursos e o novo procedimento dos recursos especial e extraordinário, dificultando o acesso do jurisdicionado ao duplo grau de jurisdição, garantia constitucional que é, já que corolário lógico da ampla defesa.
 
Nenhuma dessas medidas atingiu o resultado que dela se esperava: a tão sonhada agilidade no Judiciário. Prova é que o Conselho Nacional de Justiça criou em 2009 a denominada Meta 2, objetivando julgar até 2009 todos os processos distribuídos até 2006. Os tribunais de todo o país engajaram-se em esforço hercúleo visando a atingir a Meta 2 e julgar todos os processos distribuídos até o ano estabelecido. Segundo pesquisa do próprio Conselho Nacional de Justiça, somente 54% dos processos foram julgados. O próprio Supremo Tribunal Federal, presidido pelo criador da Meta 2 e do CNJ, ficou no meio do caminho. Restaram para serem julgados 3 mil processos dos quase 10 mil existentes. O tribunal de Minas julgou 43% dos processos; São Paulo foi o campeão, com 47% dos processos julgados; a Bahia ficou na lanterna, com 25%.
 
Como advogado e um preocupado com a situação do Judiciário, não penso que o esforço foi em vão. Conheço, de perto, as mazelas do nosso sistema judiciário: falta quase tudo. Desde concurso para preencher o vazio de servidores na primeira instância (o último foi em 2005), até um equipamento de computador. Colocar a culpa, apenas, nos juízes não é correto, já que a grande maioria dos juízes são homens probos e comprometidos com a magistratura. Existem, como em toda profissão, aqueles que não deveriam vestir a toga. Para esses, deveria haver punição, da qual não dou notícia.
 
A Meta 2 demonstrou, na minha opinião, onde estão os problemas e que eles podem ser atacados com eficiência. Pela retrospectiva acima realizada, já podemos concluir que não está nas leis processuais a morosidade do Judiciário. Se assim fosse, ela já teria sido solucionada em face das inúmeras reformas processuais engendradas. Atribuir a morosidade judiciária no bordão de que o advogado recorre de tudo também não adianta mais, já que a pesquisa do Conselho Nacional de Justiça apontou que, no âmbito da Justiça comum, de um lote de 100 sentenças, apenas 11 sofreram recursos e, no juizado especial, de 100 apenas 3.
 
Nunca teremos um Judiciário perfeito, até porque a perfeição não é característica humana. Mas dá para melhorar, e muito. Para acelerar o Judiciário, é preciso aparelhá-lo melhor. No entanto, a compra de equipamentos, apenas, não é a solução. Aliado ao aparelhamento técnico, é preciso treinar pessoal, desde que ele exista. Não adianta sacrificar os juízes com metas mirabolantes, que não levam em consideração as vicissitudes de cada cidade, região ou estado, como se o Brasil fosse um só. É preciso que tenhamos juízes em quantidade e qualidade. Mas nada justifica, por exemplo, ter um concurso para juiz em que são realizadas mais de 5 mil inscrições e apenas 10 candidatos passam.
 
O que estão perguntando nesses concursos? Não precisamos de juízes gênios e sim de mais juízes probos e trabalhadores. É preciso definir metas de trabalho anualmente para todos os servidores e juízes e não recorrer a mutirões. Por meio dessas metas, realizadas nos moldes da iniciativa privada e não nos gabinetes frios de burocratas, os juízes e servidores serão promovidos ou não, terão seus vencimentos majorados ou serão exonerados, a exemplo do que já ocorre na administração pública estadual. Mas, antes disso, é preciso dar aos servidores e juízes condições de trabalho.
 
Nada justifica, o que eu estou farto de ver, juízes preocupando-se com um funcionário que não foi trabalhar, uma janela que se quebrou ou uma impressora que não funciona. Juiz tem que julgar; administrar é para administrador. Por que não entregar as mais variadas tarefas estranhas à magistratura, hoje nas mãos de juízes, para pessoas com a qualificação profissional para tanto? Não estou advogando a absurda tese da perda da autonomia do Judiciário e, muito menos, dos juízes. Apenas sugiro que eles sejam mais bem aproveitados. Caso isso não ocorra, a Meta 2 virará Meta 3 e, assim, sucessivamente.

Welington Luzia Teixeira

  Sitio publicado em 01/02/2008