A sociedade necessita do Judiciário, já que este substituiu, no passado, a possibilidade de “fazer justiça pelas próprias mãos”. A população vem aumentando assustadoramente, não só no Brasil. Em 1970, cantarolava-se o incentivo à Copa do Mundo, dizendo-se que éramos “90 milhões em ação, pra frente, Brasil. E.... salve a Seleção!”. Em 2010, perto de outra Copa, rumamos para os 200 milhões de habitantes. Um salto e tanto, assustador até. E o Brasil, superpovoado, com inúmeros problemas socioeconômicos, continua demandando Justiça. Cada vez mais e mais.
Esses são os ingredientes básicos para um colapso. São milhões e milhões de processos nas prateleiras do Judiciário, multiplicando-se exponencialmente assim como os bebês nas maternidades. Dados do relatório Justiça em números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostram que, em 2008 (última estatística disponível), cerca de 57 milhões de processos tramitavam no Brasil, nos tribunais estaduais. Apenas em Minas, estavam cerca de 4 milhões deles.
Em 2008, o país registrou 18,3 milhões de casos novos no Judiciário estadual brasileiro, que julgou, no mesmo período, 15,3 milhões. Em Minas, foram 1,8 milhão de casos novos e 1,7 milhão de julgados. Quando penso nisso, lembro-me de um ensaio feito em laboratório para medir a vazão de fluidos. E fico apreensivo porque – permitam-me a simplicidade – as quantidades na entrada são muito maiores que na saída.
Mas, enfim, interessa lembrar que o Brasil mudou a Constituição Federal e criou, na proximidade do Natal de 2004, um organismo de coesão, o CNJ. Isso porque, afinal, a Justiça é – além de cega – muito complexa na sua organização administrativa. Há disparidades incompreensíveis, explicáveis talvez a partir da estrutura da nossa Federação. Cumprindo sua missão, o CNJ vem se desdobrando para minimizar as angústias do Poder Judiciário e resolvendo problemas de atuação administrativa dos tribunais.
Recentemente, a sociedade conheceu a Meta 2, segundo a qual o Judiciário deveria “identificar e julgar, até dezembro do ano passado, todos os processos judiciais distribuídos até dezembro de 2005”. A Meta não foi integralmente cumprida. Era de esperar. Afinal, não estamos lidando com fluidos homogêneos e sim com o destino de pessoas, patrimônio, liberdade e valores tais. E é evidente que outras variáveis impedem a montagem de uma equação linearmente mais produtiva. Mas os resultados obtidos em relação a isso foram surpreendentes.
Apenas de fevereiro a dezembro de 2009, o Judiciário mineiro – em 1ª e 2ª instâncias – julgou 93.596 dos 225,5 mil processos identificados como da Meta 2, além de cerca de 1 milhão de processos rotineiros que foram julgados no período. O número extra de julgamentos foi alcançado com a mesma estrutura existente, sem contratação de servidores nem pagamento de horas extras.
Esses foram os dados relativos à Meta 2. As outras nove metas, também estabelecidas pelo CNJ em 2009 para o nivelamento dos tribunais, praticamente não foram conhecidas pela sociedade. Elas são tão importantes quanto a Meta 2, especialmente aquelas que se referem à infraestrutura do Poder Judiciário. E, por certo, a sociedade também não se importará com algumas outras metas prioritárias que virão em 2010.
Antigamente, as crianças brincavam de Forte Apache. Hoje, brincam no Nintendo Wii, divertem-se no PSP e idolatram algum avatar.
Há uma década, escrevi um trabalho chamado Quanto custa a função jurisdicional? E já havia sido publicado outro trabalho, quase homônimo, intitulado Estados: quanto custam as funções legislativas e judiciária? (publicado pela Secretaria para Assuntos Fiscais do BNDES; Informe-se, nº 22, novembro de 2000). Naquela época, eu reclamava por não termos um planejamento de longo prazo. Hoje, isso já é realidade no Judiciário. A transição administrativa também tem seus efeitos suavizados por um plano específico. Mas continuarei reclamando por investimentos em infraestrutura. De qualquer modo, estamos caminhando no bom rumo. É como vejo a questão.
No passado, como hoje, continuo imaginando que “precisamos conhecer o nosso negócio”, quando me refiro ao Poder Judiciário. Aumentar a vazão de processos é um resultado que a sociedade legitimamente espera. Do mesmo modo como é legítimo esperar que a torneira aberta jorre água em todo o diâmetro do seu bocal. A sociedade não precisa entender as deficiências da infraestrutura administrativa judicial; nem de gestão. E, muito menos, compreender como a equação da “energia sem perdas” afeta o domínio da vazão volumétrica.
Brincar de Forte Apache na infância me permitiu saber que “a estratégia para vencer o inimigo depende diretamente do conhecimento que tenho sobre o meu próprio inimigo”. É fato que o Poder Judiciário ainda não se conhece como é necessário. Há mais de uma década estou dizendo isso. A maior queixa do setor é não ter sequer informações elementares que permitam uma melhor gestão.
Gestão estratégica do Poder Judiciário ou de onde for é bordão em moda nos dias de hoje. Quer-se resultados, assim como o setor privado quer seus lucros. Não é possível implantar a estratégia sem conhecer o inimigo. É simples, como brincar de Forte Apache. Mas é também complexo, como tentar entender os scripts dos jogos de computador ou o Ser Supremo na religião hindu, para quem professa o cristianismo.
É o Avatar rondando o Poder Judiciário.