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"O fiador e a nova lei de locação", por Luciana Diniz Nepomuceno
(21/02/2010 - 12:09)

Ao fiador em contrato de locação não raras vezes cabe a “batata quente” da relação locatícia, principalmente quando parentes e amigos íntimos decidem “espontaneamente”, por questões morais ou afetivas, prestar a garantia. A Lei do Inquilinato, desde sua redação original, já impunha a subsistência das garantias locatícias até a efetiva devolução do imóvel, ressalvando apenas a existência de previsão contratual em contrário: “Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel”. (artigo 39)
 
Por força de referida cláusula, não obstante exaurido o prazo contratualmente previsto, o fiador pode, ainda assim, vir a ser acionado judicialmente por encargos da relação locatícia decorrentes do período da prorrogação indeterminada do vínculo, com o qual, no entanto, não concordou nem anuiu.
 
A interpretação de referida regra legal sempre foi cerne de controvérsia nos tribunais. De um lado, os defensores de sua exegese literal, que sustentam a subsistência da garantia enquanto perdurar a relação locatícia. De outro, aqueles que imprimem interpretação restritiva ao contrato de fiança, cingindo a responsabilidade do fiador ao período certo da locação e desvalendo-a, mesmo que assim clausulado, durante o período indeterminado da prorrogação contratual, para a qual não houve seu assentimento.
 
Essa última corrente, a nosso sentir, sempre foi a mais justa e equânime, na perspectiva do garante da relação locatícia. Isso porque, se o inquilino, acionado por débitos decorrentes da locação, pode invocar em seu favor o benefício da impenhorabilidade da residência familiar (o conhecido bem de família), ao fiador essa benesse é excluída, por força do comando expresso do inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/90. Assim, enquanto os fiadores podem ter que ir para “debaixo da ponte”, ao afiançado-inadimplente é possível, com o que economizou no período da locação, adquirir um imóvel para residir.
 
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (principalmente sua 3ª Seção), após o julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 566.633/CE, de relatoria do ministro Paulo Medina, em 22/11/2006, modificou o entendimento que até vinha sendo encampado e sufragou a tese no sentido da validade da cláusula contratual que estende a responsabilidade do fiador até a entrega das chaves do imóvel: "Embargos de divergência. Locação. Fiança. Prorrogação. Cláusula de garantia até a efetiva entrega das chaves. Continuam os fiadores responsáveis pelos débitos locatícios posteriores à prorrogação legal do contrato se anuíram expressamente a essa possibilidade e não se exoneraram nas formas dos artigos 1.500 do CC/16 ou 835 do CC/02, a depender da época que firmaram a avença. Embargos de divergência a que se dá provimento". (EREsp 566633/CE, relatoria do ministro Paulo Medina, Terceira Seção, julgado em 22/11/2006, DJe 12/03/2008)
 
A partir de então, assentou o STJ o entendimento de que a obrigação do garantidor subsistirá até a extinção do contrato, independentemente se foi ele prorrogado por prazo indeterminado. Ressalvou, contudo, a possibilidade de sua exoneração, a ser exercida na forma do artigo 835 do Código Civil: “O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor”.
 
A nova Lei do Inquilinato (nº 12112/09), que entrou em vigor em janeiro do corrente ano, em vez de imprimir interpretação restritiva aos contratos acessórios de fiança, manteve, na esteira daquele posicionamento grassado pelo STJ, a responsabilidade do fiador após a vigência do prazo inicial do contrato e até a entrega das chaves, pelas obrigações que se vencerem nesse interregno.
 
Para tanto, simplesmente acrescentou à primeira redação do artigo 39 a expressão “ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta lei”, a qual, de forma substancial, em nada a altera.
 
Sem a pretensão de polemizar e respeitando a norma positivada, bem como a jurisprudência assente no Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade do fiador estendida até a entrega das chaves faz com que esse seja excessivamente onerado com a prorrogação indeterminada do contrato locatício para a qual não anuiu; tornando a cláusula de validade da fiança até a entrega das chaves um verdadeiro beco sem saída para o garantidor, único que não tem poderes para dar por findo o contrato locatício e que dele não pode extrair qualquer proveito.
 
Mas a nova lei também beneficiou o fiador, ao consagrar expressamente a possibilidade de exoneração de sua obrigação, quando da prorrogação do contrato por prazo indeterminado.
 
Se antes essa exoneração já era possível, mas nos termos do preceito contido no artigo 835 do Código Civil, agora é norma positivada especial na Lei de Locações.
 
Assim, poderá o fiador desonerar-se de sua obrigação na hipótese de prorrogação indeterminada do contrato; competindo-lhe, para tanto, notificar o locador; caso em que ficará vinculado aos efeitos da garantia pelo prazo de 120 dias contados do ato notificatório. (artigo 40, inciso X) Assim, se vier o fiador a ser surpreendido com uma execução ou cobrança de débitos estranhos a período não otimizado e nem expresso da garantia, poderá se ver livre da obrigação acessória, dela exonerando-se.
 
A nova lei, portanto, ainda que de todo não benéfica ao fiador, certamente colocou termo às controvérsias jurisprudenciais acerca da subsistência de sua responsabilidade nos casos de prorrogação contratual por prazo indeterminado, além de explicitar a possibilidade de exoneração; o que, fatalmente, tornará menos tormentosa e preocupante a função do garantidor, que não pode ser mantido jungido indefinitivamente ao adimplemento contratual e contra a sua vontade.

Luciana Diniz Nepomuceno

  Sitio publicado em 01/02/2008